Palavra V - Assassino
Sinopse - Uma criança aparece alegando que Luffy matou seu irmão. A tripulação não está nem um pouco feliz.
Era um corte profundo, que começava pouco depois do ombro e se estendia
quase até o cotovelo. Não era certeza que não deixaria uma cicatriz, se o
tempo que levou para parar o sangramento e fazer os pontos fosse alguma
pista.
Ainda assim o pior era Luffy não ter dito qualquer palavra enquanto
Chopper trabalhava, com a vista perdida na janela da pequena enfermaria.
- Não foi sua culpa! - Alegou pelo que deve ser a décima vez aquela
noite.
- Como você sabe? - O tom levemente sombrio fez a rena se encolher, o
capitão vacilou com essa reação e estava a ponto de se desculpar quando o
médico seguiu.
-... Por que eu sei...Todos sabemos... Você não é um assassino Luffy!
O homem de borracha o observou por algum tempo, no qual Chopper deu de
tudo para não desviar o olhar. Ele realmente queria acreditar naquelas
palavras, mas...
Tudo tinha acontecido há algumas horas atrás, estavam caminhando por uma
Cidade numa determinada ilha, quando uma criança de no máximo dez anos
parou na sua frente desafiando-o. A princípio achou graça, até o momento
que o menino o acusara de ter matado seu único irmão...Então ele foi
incapaz de reagir... Vendo a furia familiar de perder alguém refletidos
naqueles olhos jovens, o desejo de vingança...A dor...A culpa...
Não reagiu, mesmo sabendo que a criança tinha uma faca, não reagiu quando
ela pulou em sua direção, não reagiu sobre o pânico da multidão...Não
reagiu quando sentiu a dor excruciante atingir seu braço.
Contudo, reagiu tomando o braço de Zoro quando ele surgiu sabe se lá de
onde e parecia a ponto de cortar o pescoço da criança fora emanando uma
aura verdadeiramente assassina ao observar o voluptuoso sangue emanar da
ferida de seu capitão.
Era nesses momentos que agradecia a imensa lealdade de seu companheiro,
caso contrário, se o espadachim tivesse seguido suas verdadeiras
invenções o corpo do menino teria caído morto no chão naquele instante.
Mas isso não impediu o combatente de puxar Luffy com força pelo outro
braço, enquanto arrastava a criança que berrava por liberdade sem
cuidado algum de volta ao Sunny.
Como Zoro conseguiu encontrar tão rapidamente o navio nesse dia, era um
mistério que Luffy jamais iria entender.
À essas alturas o menino deveria estar na cozinha, não era preciso ser um
bom observador para notar que o rapaz não comia à dias.
PLAC
O som seco de um prato cheio batendo sobre a mesa encheu o ar. O menino
olhou com desconfiança e antecipação para a refeição, mas o fato de estar
num navio pirata e a aura sombria do cozinheiro o manteve quieto.
- Coma - Era uma ordem, não uma sugestão - É apenas comida.
Já estava dando as costas e voltando para a pia quando o menor reuniu
coragem para falar.
- E por que você me daria comida?! Eu ataquei seu capitão!
-...Sim, por que ele é um merda de um coração de manteiga. - Voltou o
olhar frio ao pequeno - Mas eu sou seu cozinheiro e não permitirei que
qualquer um nessa embarcação passe fome, não importa quem seja.
E sem esperar qualquer resposta voltou a pia, resmungando uma ameaça caso
qualquer resquício de comida fosse deixado no prato.
Era uma decisão conflituosa, porém por mais que Sanji odiasse quem
atacava deliberadamente seu capitão, não sendo uma mulher. Não podia
simplesmente ignorar alguém claramente faminto, porém, não se
responsabilizava mais por seus atos a partir do momento em que o garoto
estivesse de estômago cheio.
Com quem deixar a criança, isso era decididamente um problema. A
tripulação não estava nem um pouco feliz com o recente ataque. Todos
sabiam que o menino corria perigo ficando perto de Sanji depois que
acabasse de comer, então logo alguém teria que assumir a responsabilidade
sobre o menor.
Franky não parecia nem remotamente disposto. A ideia de interagir
pacificamente com alguém que feriu um de seus companheiros não lhe
agradava, afinal, foi preciso uma declaração de guerra contra o mundo
para ele perdoar os chapéu de palha por terem esmurrado sua família.
Mesmo que ele tivesse batido em Usopp em primeiro lugar...
Brook também não era uma opção. Um esqueleto por si só era intimidante
demais se o objetivo era deixar o menino tranquilo o suficiente para
relevar seus motivos, sem contar que o fato do músico estar chatiado com
o atentado, diminuindo sua aura alegre habitual, o tornava ainda muito
mais assustador.
Robin não se ofereceu para interrogar o menino e sinceramente era melhor
assim. Ela não iria ferir uma criança, mesmo não sendo inocente,
contudo, seu sentido negro das coisas poderia intimidar o menino ainda
mais do que Brook e provavelmente ela faria isso de proposito.
Pensando assim, nem Jimbei ou qualquer líder de frota, com exceção talvez
de Leo, seria muito amistoso com um potencial inimigo que conseguiu ferir
de forma razoavelmente grave seu capitão, mesmo sendo uma criança. Nem
Law ou qualquer aliado.
E talvez só Robin e Luffy saberiam como Sabo reagiria.
Isso exasperava Nami um pouco, quando pegou o menino assim que ele
terminou de comer. Que todos pudessem chegar a ser tão assustadores
quando de uma ameaça a Luffy se tratava, era impressionante e ao mesmo
tempo imprudente e perigoso, muito perigoso.
Sob protestos ela levou o menino até o ninho do corvo onde Usopp os
estava esperando. Nem ele nem Nami gostavam do pensamento que um menino tentou matar seu capitão, mas o fato de ser uma criança falava mais alto
do que a necessidade de buscar algum castigo.
Eles eram os mais indicados para tentar entender suas motivações.
- Então - Começou Nami ao tempo que Usopp segurava o menino que fazia de
tudo para tentar escapar - Por que você queria atacar o nosso capitão?
- Eu não queria só atacá-lo! Eu queria que ele tivesse morrido! - Exclamou ainda se debatendo.
- E por que você queria ele morto? E não adianta forçar, eu não vou te soltar!
O menino parou de forçar soltando um bufo frustrado.
- Por que querem tanto saber? - Questionou grosseiramente.
- Beem, digamos que não é comum que uma criança apareça tentando matar
nosso capitão enquanto o chama de assassino - Continuou Usopp relaxando o
agarre - Isso é até mesmo hipócrita da sua parte!
-....Hipo o quê?
- Ele quer dizer que isso não é comum...Zoro nos disse que você alegou algo sobre Luffy ter matado seu irmão...
- E ele matou mesmo! - Berrou a criança voltando a fazer força - Seu maldito capitão é um assassino e eu não vou descansar até AIII!
- Será que você não notou algo muito importante pivete?! - Seguiu o atirador irritado depois de bater na cabeça do menor - Se Luffy fosse mesmo um assassino, o que é simplesmente ridículo, por que você ainda está respirando mesmo depois de atacá-lo e feri-lo?!
O menino abriu a boca para responder, mas tornou a fechá-la com expressão
transtornada.
-...E por que eu deveria saber como funciona a cabeça de um pirata?! - Desviou o olhar para o chão - Vocês não passam de assassinos e bandidos...Provavelmente pretendem zombar de mim para depois me vender
como escravo...
Usopp estava a ponto de dizer como aquilo era ridículo quando Nami
estendeu o braço na sua frente, num sinal para esperar.
-...Eu acredito que ninguém ainda tenha te perguntado seu nome, poderia
me dizer? - Tentou no tom mais brando que possuía.
-....- Hesitou, levantou o rosto para encarar a navegadora...De todos
abordo ela parecia a menos intimidante até agora... - Me chamo Kitai*...
- Muito bem Kitai, é um nome bonito, combina com você - O menino desviou
novamente o olhar vermelho e mais relaxado. Usopp levantou a sobrancelha
impressionado - Acredite em mim quando eu digo que eu entendo essa sua
forma de pensar sobre os piratas. É verdade que muitos piratas são assim,
não hesitariam em matar, roubar qualquer um e até mesmo vender escravos,
eu entendo a sua preocupação. Mas você tem que entender que nosso capitão
é diferente, nós somos diferentes.
Ele ia revidar, mas ela interrompeu.
- Ou você acha mesmo que conseguiu ferir um infame capitão pirata por
você mesmo?
-... Ele nem reagiu - Confesou confuso.
- Sim, por que é um idiota de coração mole e você tocou...Num assunto
delicado o acusando de matar seu irmão. Ele não é um assassino, jamais
mataria alguém por prazer, ele sequer mata seus inimigos, mesmo que
alguns realmente mereciam. Então por que você realmente acredita que
alguém como nosso capitão é o responsável pela morte de seu irmão?
-...- Lágrimas começaram a se formar nos olhos do pequeno e Usopp o
soltou de uma vez, convencido de que não fugiria mais. -... Chegou uma
carta da marinha...Mês passado... Ela dizia que o navio do meu irmão
tinha sido abatido num confronto contra o capitão de vocês... Mandaram um
navio de resgate...Mas o corpo do meu irmão....Ele.... - Começou a
chorar, sua voz tornando-se mais aguda- ...Ele não foi encontrado...!
Meus pais já morreram num ataque pirata! Ele era tudo que eu tinha!...
A-agora...N-não...Não me sobrou mais n-nada...
Tampou o rosto com as mãos soluçando.
- Q-quando...Eu soube q-que...Vocês vinham pra cá....P-pensei...E-eu...
Eu não tinha mais nada a perder mesmo!
O atirador sentiu seu coração apertar, agradecendo o fato de que subiram
num lugar distante do navio, de modo que Luffy não escutasse esses
lamentos, só poderia imaginar o quão mal ele poderia ficar ouvindo isso.
Nami por sua vez abraçou o menor, batendo em seu ombro enquanto ele
chorava e soluçava em seu ombro.
-....EU SÓ-....QUERO MEU IRMÃO DE VOL-TA!
Levou algum tempo para o menino se acalmar, nos quais Usopp e Nami
mantiveram uma conversa sem palavras.
Há pouco mais de um mês eles realmente tinham confrontado um navio da
marinha, mesmo eles pareciam surpresos de encontrar os chapéus de palha
ali, não parecia ser seu objetivo. Ainda assim eles atacaram e quem acabou por derrubar o navio foi de fato Luffy...
Era uma questão de proteção, defesa, um ataque que não visava ninguém em
específico...Contudo, em mares tão perigosos como os do Novo Mundo era
compreensível que nem todos os marinheiros saíssem vivos...Este era o preço de ingressar nesses mares depois de tudo...
A carta, claro, não parecia detalhar muito...Mas tampouco estava
completamente incorreta.
-...Kitai... - Recomeçou a navegadora notando que o menino parecia mais
calmo -... Eu sei que é difícil de entender...Mas...Piratas e marinheiros, precisam estar preparados ao decidir entrar nesses mares.
-"Preparados"? - Repetiu com sarcasmo se afastado da mulher e tentando,
inutilmente, se recompor - Pra quê?! Para matar pessoas?!
-...Não. - Ela sorriu com nostalgia lembrando-se de certo pirata preso numa jaula por sua causa, há quase três anos atrás - Eu estou falando de estar preparados para dar sua própria vida pelo que querem fazer, pelo que acreditam.
Kitai encontrou os olhos da pirata.
- Seu irmão lutou como um marinheiro, por aquilo que acreditava. Nosso capitão lutou como um pirata, por aquilo que acredita. Eu prometo a você que sua intenção nunca foi matar, mas esses mares são imprevisíveis. Ninguém é capaz de saber o que realmente pode acontecer.
Ele realmente não queria acreditar nessas palavras, seria tão mais fácil odiar e buscar uma vingança...Mas desde o momento que atacou o capitão e não recebeu nada além de piedade, sua determinação começou a falhar sem
saber o que mais fazer com sua vida.
O que restava para ele afinal?
Quando desceram com uma criança chorosa, todos os chapéu de palha resolveram relevar o ataque, mesmo que durante o jantar o menino não
olhava para outra coisa além de seus próprios pés e Luffy, para seu
desgosto, estava com o braço atacado imobilizado.
O capitão ainda não havia começado a comer, embora todos a bordo já o
estivessem fazendo, o que era a evidência mais concreta de todas de que
algo estava errado. Nami estava a ponto de dizer algo para tentar diluir
a culpa que Luffy deveria estar sentindo, antes que Sanji surtasse pela
falta de apetite dele.
Mas todos ficaram surpresos quando foi o homem de borracha que quebrou o
silêncio em primeiro lugar, olhando para Kitai.
- Você tem algum outro lugar para ir?
Todos pararam de comer para observar a interação, mesmo o cozinheiro.
O menino piscou, notando ser o centro das atenções agora.
- ...Eu...Tenho uma pequena casa...- Não olhava diretamente para o outro
-... Mas...
- Você não quer voltar pra lá, não é?
Não respondeu de imediato. Ainda o incomodava que esses piratas o
pudessem ler tão bem.
-... Se você não tiver para onde ir...
Todos na mesa prenderam a respiração com essas palavras.
- Eu não penso em me tornar um pirata! - Mas a criança interrompeu antes
que terminasse.
- Eu não ia mesmo oferecer isso! - Exclamou franzindo a testa e a respiração de todos relaxou - Afinal, você é só uma criança.
- EU NÃO SOU UMA CRIANÇA!
- Ah, não precisa ficar bravo, por que você não toma seu suquinho para se
acalmar?
-....Oh! Tem suco? - Kitai olhou em volta até Sanji lhe entregar, mostrando se animando pela primeira vez desde que subiu abordo.
Luffy começou a gargalhar, sendo seguido de alguns tripulantes ao tempo
que o menino começava a ficar vermelho notando que havia agido como uma
criança.
- Maldição! Você me enganou!
- -Shishishishi~ E ainda diz que não é criança! -O menino voltou a
reclamar, ao tempo que Luffy abriu seu grande sorriso habitual, fazendo a
criança encará-lo pela primeira vez, toda a tensão dissipada - Eu ia te
perguntar se você não quer um novo lar. Conheço uma galera que sem
problemas te levaria para viver em alguma ilha onde com certeza você
estaria seguro. Eles poderiam manter um olho em você. Tenho certeza que
seu irmão ficaria muito mais tranquilo se soubesse que você está bem e
seguindo em frente.
Queria refutar, mas algo naquele sorriso largo, naquele olhar compreensivo ou mesmo na aura que emanava lhe dizia que aceitasse...
A última coisa que Nami disse antes de descerem ecoando em sua cabeça. "A
vingança não vai trazer seu irmão de volta. Confie em mim, Luffy não é
uma má pessoa, você não ganhará nada em quere-lo morto"
Se perguntava se ele costumava oferecer oportunidades de redenção assim
para cada um que já tentou matá-lo...
Sorriu sutilmente para a possibilidade de não estar mais sozinho...Seu
irmão com certeza iria querer isso..
- ...Tudo bem...Eu aceito...- Disse hesitante.
- CEEEEERTOOOO! - E num piscar de olhos Luffy roubou comida do prato da
criança e de qualquer um que estivesse distraído.
E então dois irmãos mais velhos puderam relaxar. Onde quer que
estivessem.
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* Kitai pode ser lido como
"Raridade"
"Singularidade"
"Perigo, risco"
Mas também é possível usá-lo para escrever "Grandes expectativas" como "Esperança".