Haramaki

Há muito, muito tempo...Num país distante além do berço onde o sol ascende do mar.

Nasceu um homem, um andarilho, um espadachim, um samurai. Sua atitude, tão afiada quanto sua espada, contudo, seu coração tão amplo como sua honra.

Contam as lendas que ele viajava de País a País, a procura de um homem sem rosto, sem nome, conhecido apenas como "Rei".

Diziam que esse "Rei" era o homem com uma enorme "alma de guerreiro" em seu coração, contava-se também que ele era a pessoa mais forte do mundo.

Contudo, o que esse andarilho não sabia...Era que durante sua busca, ele ajudou incontáveis pessoas, salvou suas vidas e derrotou inimigos formidáveis...

Dentre eles um enorme dragão que aterrorização toda uma ilha há mais de dez anos.

E assim, todos os feitos desse homem, o fizeram ser conhecido pelas pessoas que salvava como...

"Ryuuma, o Rei. O homem com a maior alma de guerreiro".

O andarilho, não era outro senão o próprio rei que buscava.

O que fazer então, quando aquele que você acredita ser seu último adversário não é outro além de si mesmo?

A resposta veio na forma de uma corajosa mulher chamada "Flare".Seu coração era puro, e seu sorriso mais mortal que a mais afiada das espadas.

E contra ela, Ryuuma perdeu sua primeira batalha. Mas não contra espadas...E sim contra seu coração.

Os anos passaram junto as estações. O andarilho se tornou um homem de um único lugar, o mesmo que salvará do terrível Dragão. Essa mesma terra que o viu nascer e crescer, viu seu filho chorar pela primeira vez nos braços de sua esposa...

Mas havia um inimigo mais, um que sequer Ryuuma era capaz de vencer.

Seu nome era morte, fazendo sua última luta ser contra uma desconhecida doença.

As pétalas de cerejeira pintavam o céu de rosa quando Ryuuma e Flare resolveram fazer sua última viagem. Para um homem que conheceu diversas terras, morrer sobre apenas uma não parecia devidamente correto.

A cada passo, o espachim, o velho samurai de Wano se aproximava de seu derradeiro inimigo, em mente o código que aprendera em seus dias de aprendiz.

O samurai nasce para morrer. A morte, não é uma maldição a evitar, senão o fim natural de toda vida.

Quando sua vida enfim se extinguiu, ele perdeu sua segunda batalha.

Sua esposa e seu filho seguiram os caminhos do velho guerreiro caído, de País a País, de ilha em ilha...Tendo compaixão, ajudando seus companheiros em qualquer oportunidade. E se a oportunidade não surgisse, saiam de seu caminho para encontrá-la.

Então Flare se tornou avó... Esperando o dia em que, em sua viagem sem fim, a morte a levasse junto com o antigo guerreiro das velhas lendas...

-...E você dormiu novamente Zoro? Será que nunca é capaz de ouvir essa história até o fim?

O menino com pouco mais de seis anos levantou sonolento, olhando ao redor como se tentasse recordar aonde estava, até se deparar com os cansados olhos de sua avó.

-...Dormi...De novo? - Bocejou abrindo os olhos devagar - Oh... Mas é que vovó sempre conta a mesma história...

- Você nunca escuta com atenção, então eu sempre me vejo na obrigação de repetir. - Ela colocou com severidade - É a história de nossa família depois de tudo.

- Vovó podia focar apenas nas partes interessantes! Na parte da luta! E não toda essa história de amor e pessoas perdid-AAAI!

-Não são pessoas perdidas! - Bateu com força na cabeça de seu neto com uma espada de madeira - É uma tradição! Você tem que aprender a ser mais respeitoso meu neto. "Tenha compaixão, ajude os seus companheiros em qualquer oportunidade. Se a oportunidade não surge, saia do seu caminho para encontrá-la." é parte do nosso código.

-...Sim senhora... - Resmungou irritado massageando a cabeça - Eu posso ir treinar agora?

A idosa suspirou longamente antes de fazer sinal para que seu neto se retirasse, ele o fez com felicidade correndo pelo piso de madeira até o pequeno quintal.

Eram apenas os dois, num pequeno casebre velho de madeira. Sabia que deveria ser solitário para seu neto crescer assim desde que seus pais partiram... Mas ela estava feliz em saber que ele era um menino forte. Mesmo que fosse ainda um completo amador na arte das espadas, sua posição de batalha ao menos já era impecável.

Ela sorriu, pegado um pedaço de pano e levando para o quintal para costurar enquanto observava seu neto.

Em suas últimas viagens, ela havia pegado rolos de linhas de vários lugares, passando de casa em casa pedindo linhas da mesma cor dos cabelos de seu neto. Sua nora, mãe do pequeno, havia conseguido alguns rolos maid e a velha senhora lamentava que ela não tivera uma menina para que a irmã pudesse conseguir alguns mais. Mas depois de tanto tempo ela havia finalmente conseguido mil fios para terminar o Haramaki. Seu neto já havia mostrado desgosto em várias ocasiões em ter que usar a, segundo ele, peça de roupa de pessoas velhas em volta de sua barriga, contudo, novamente sua avó argumentava sobre a tradição e como aquilo era como um talismã que o manteria protegido contra ferimentos quando ele também se tornasse um grande guerreiro.

"Eu não preciso de algo assim para me impedir de me machucar! Eu vou ser um lutador forte sozinho!"

A senhora sorriu lembrando da presunção de seu neto, enquanto seguia com sua costura...Seu único desejo era que pudesse terminá-lo antes que a morte viesse para buscá-la.

Num dia de inverno, a avó não era mais capaz de andar, suas pernas sucumbiram a idade antes dela. Mas isso não era realmente muito importante, já havia caminhado e viajado por muitos lugares para lamentar que não pudesse mais fazê-lo.

Estava deitada, num pequeno leito na casa do único médico da vila, costurando seu Haramaki enquanto escutava sem muito interesse o médico em questão explicando sua situação para uma vizinha, ele cometeu o enorme erro de assumir que Zoro não seria capaz de entender que sua avó estava morrendo. Um ingênuo tolo.

Não demorou muito para a voz do homem deixar de ser escutada e a voz da mulher iniciar uma conversa entre sussurros com seu neto. Ela deveria achar que por que estava morrendo também estava ficando surda, de fato, essa pequena vila no East Blue subestimava demais sua família.

"- A situação de Me é bem frágil Zoro... - Frágil? Ah se o seu marido estivesse aqui para ouvir ela sendo chamada de 'frágil' - ...Não há nada que possamos fazer a não ser rezar por ela."

Era só o que faltava...Passar por tudo que passara em sua vida, para acabar como motivo de piedade.

"- Rezar?"

"- Sim, quer dizer se ajoelhar e pedir para os Deuses que tenham piedade de sua avó - Zoro deve ter feito alguma expressão confusa, por que ela continuou a explicar - São seres superiores a nós, que não podemos ver."

"-...E por que eu me ajoelharia por algo que sequer posso ver?"

Aaah...Esse seu neto...

"-...Você não precisa ver para saber que ele está lá! Nos julgando, se você for bonzinho e rezar com fé ele pode ser piedoso."

"- Eu não quero a piedade e alguém que me julga!" O som entre frustrado e horrorizado que saiu da jovem fez a senhora perceber que era melhor interromper a conversa.

- Zoro, venha cá. - No instante seguinte o menino estava entrando na sala.

- Vovó?

-Me ajude a sentar naquela cadeira com rodas, nós estamos indo pra casa!

O pequeno sorriu e foi fazer o que lhe foi solicitado, a vizinha parecia bem contrariada, seja pelo que Zoro disse, seja por deixar uma criança tão pequena empurrar uma cadeira com uma idosa, a avó teve que usar todo seu esforço para não ser grossa com a ingênua, no final das contas ela também lhe deu um pouco de linha.

Continuou costurando enquanto sentia o frio vento do inverno contra seu rosto.

-... Ela me disse que eu tinha que me ajoelhar para um homem invisível para que ele tenha piedade de você vovó...

- Sim, eu pude escutar... Ela é bem supersticiosa. Não precisa se preocupar em fazer isso.

-...Bom...Por que um guerreiro jamais deve abandonar seu orgulho e abaixar sua cabeça para AI!

- Eu posso não conseguir andar mais, porém, ainda posso te bater quando você diz coisas tolas!

- M-mas!

- O orgulho do guerreiro é importante. Mas acha que o orgulho matará a sua fome? Acha que o orgulho salvará sua vida? Quando eu conheci seu avô ele se ajoelhou na minha frente, apenas por que eu lhe dei um prato de refeição, por que aquele prato de comida o salvou de morrer de fome. E até hoje nunca conheci um guerreiro mais honrado que ele. Você não deve se envergonhar de fazer isso por alguém a qual deve a vida...Ou alguém que você deu sua vida.

O pequeno espadachim ainda estava massageando a área atingida quando uma pergunta passou por sua cabeça.

- E qual a diferença? Dever sua vida e dar vida...

Sorriu satisfeita que tinha pego a atenção de seu neto cabeça dura.

- Um dia você vai entender.

Num dia de primavera, as cerejeiras coloriam o céu de rosa, os céus de seus sonhos, por que aonde ela vivia agora não havia mais cerejeiras. Sentado, abaixo de uma das árvores estava seu falecido marido, com um pequeno sorriso no rosto.

Não.

Ela acordou, respirando com dificuldade, mas acordou. Seu momento estava chegando, ela sabia, ele veio avisá-la...Mas ela não podia ir, não ainda, não antes de terminar aquele haramaki.

Tiveram que levá-la as presas para o médico, era madrugada. Ela sabia, ele estava desistindo...Sua expressão, a forma em que seus ombros caíam. Mas ela se manteve resistindo.

Já havia desistido de sua própria vida há muitos anos atrás. Quando era apenas uma criança e um dragão atacou sua vila, naquele dia, um homem que ela achava que era um grande herói a salvou, até que anos depois ela descobriu que foi ele que trouxe o dragão em primeiro lugar.

Quando soube que sua lealdade havia sido quebrada de forma tão cruel, quando soube que o Dragão que matara seus pais estava voltando para destruir a vila que a abrigou...Ela desistiu de viver. Ela apenas queria deixar de viver junto com a cidade que a acolheu.

Mas Ryuuma tinha outros planos. Ele matou aquele que traiu a confiança de todos e matou o dragão. Sem esperar nada em troca, fama, riqueza ou qualquer reconhecimento.

"Nunca mais pense em morrer" ele disse quando começava a se afastar "Ouvi dizer que quando você morre...Não é nada divertido!"

Ela sorriu vendo o espanto do médico quando sua paciente terminal começou a reagir. Não ia morrer agora, ainda tinha um haramaki para terminar.

-...Vovó. Você não deveria estar descansando?

Fazia poucas horas que haviam voltado para casa, estava costurando com certa dificuldade, pois tinha perdido parcialmente o movimento de seu braço direito, mas não é como se precisasse disso para fazer algo tão simples para ela como costurar.

- Eu estou bem Zoro - Levantou o rosto para ver a expressão preocupada de seu neto - Não precisa olhar assim pra mim.

-... Quando vovô morreu...O que a senhora fez?

- Já está me enterrando é?

-Não! Eu só quero saber...

- Se você prestasse atenção nas minhas histórias saberia. Agora, me deixe costurar em paz. Melhor, por que não vai treinar mais? Sua postura continua horrível.

O garoto bufou, mas aderiu a sugestão. Estava próximo da porta, quando voltou-se para olhar para a senhora.

- Vovó, quem é Shirano? ... Você resmungava isso enquanto dormia...

- Apenas um homem miserável que eu lealmente acreditava que era um herói. - Ela viu a curiosidade nos olhos de seu descendente, então achou que o melhor seria continuar explicando. - Na vida você tem que ter cuidado em quem deposita sua lealdade, sua confiança, não se deve confiar em todos, se deixar enganar por aparências ou boa educação. Não esqueça disso.

-...Tudo bem...- Abriu a porta prestes a sair, quando se lembrou de algo mais -... Vovó, eu preciso ser um herói para ser um grande guerreiro?

- Não, contanto que não perca seus princípios. O que os outros pensam de você não importa. - O menino sorriu satisfeito e saiu.

Ryuuma, você teve um neto que ainda será grande. Você verá.

Num dia de verão, estava contando novamente a mesma história para Zoro, que adormecera quando chegara na parte em que a família havia se tornado andarilha após a morte de Ryuuma. Bateu em seu neto desatencioso como sempre e o mandou ir treinar enquanto continuava a costurar.

Era um dia quente e claro, e ela estava a costurar as últimas linhas quando sua vista começou a ficar borrosa. Esse Haramaki era uma tradição de sua antiga terra, as mulheres da família tricotavam para os homens que iriam para a guerra, para garantir-lhes proteção...Zoro logo estaria sozinho no mundo, não sabia quando alguém surgiria para ele e se ofereceria para matar seus próprios dragões...Esperava que fosse logo, esperava que ele não ficasse sozinho...

Suas mãos tremiam e seu corpo formigava, mas ela não se importava... Estava nas últimas linhas.

Ele estaria sozinho, contudo, esse haramaki lhe daria proteção, seria uma parte de sua família que sempre estaria com ele...Até que tivesse sua própria família.

Terminou. Levantou a peça de roupa e sorriu com orgulho. Seu último sorriso, antes de enfrentar seu último inimigo...O mesmo que vencerá seu marido.

Caiu no piso de madeira com um forte baque, um haramaki verde ao seu lado.

Num dia de outono, um menino perambulava sem rumo pelos dojos de uma pequena vila do East Blue. Ninguém sabia quem ele era ou de onde ele veio. Sabiam apenas que era uma criança andarilha que desafiava outros para lutar com ele.

Porém o que mais chamava a atenção era seu cabelo verde...A mesma cor do haramaki que levava por baixo de sua camisa.

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